sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Gregório de Matos - Análise de alguns poemas




Para entender a obra de Gregório de Matos é preciso conhecer o contexto histórico no qual ele está inserido, uma vez que grande parte de sua poesia (principalmente a satírica) faz alusão a duas de suas maiores referências: o Brasil e Portugal. No final do século XVII, Portugal estava em decadência, sendo que o sistema escravocrata não conseguia mais sustentar a economia da Metrópole. Assim, Portugal impunha ao Brasil uma série de restrições comerciais a fim de conseguir vantagens. Por conta disso, os senhores do engenho e proprietários rurais brasileiros passaram a enfrentar uma forte crise económica.

Em contrapartida à crise do mercado de escravos e do engenho de açúcar, surge uma rica burguesia composta por imigrantes vindos de Portugal e que comandavam o comércio na colônia. Esta rica burguesia dominou também o mercado de crédito e outros contratos reais. Por conta do monopólio gerado por estes imigrantes, agravou-se a crise dos proprietários rurais brasileiros e a hostilidade entre esses dois grupos, que foi crescendo ao longo dos anos.

Gregório de Matos, como filho de senhor de engenho e bacharel em Direito, encontra-se em uma posição central neste cenário, tendo condições de pensar e analisar seu momento histórico sob diversas perspectivas. Gregório de Matos, apesar de ter tido diversos cargos de poder, resolve desligar-se de tudo e viver à margem da sociedade como um poeta itinerante, percorrendo o recôncavo baiano e frequentando festas e rodas boemias. Porém, mesmo distanciado da sociedade hipócrita a qual ele condena, ele também se insere nela, pois Gregório ainda depende da nobreza e vive à custa de favores deles. Ao mesmo tempo, ele encara o papel do portador de uma "voz crítica" sobre essa mesma sociedade na qual ele se insere.

Conforme explica José Wisnik, o poema satírico de Gregório de Matos é marcado por essa "briga" entre uma sociedade "normal" - que é a do homem bem nascido - e outra "absurda" - que é composta por pessoas oportunistas, mas que estão instaurados no poder. Porém, no caso de Gregório de Matos a "sociedade absurda" é real, pois é a Bahia onde ele vive; e a sociedade considerada "normal", que é a dos homens bem nascidos e cultos, é absurda perante a realidade baiana. Assim, ambas são consideradas absurdas uma perante a outra. Esse impasse é o da realidade histórica desse momento, coexistindo em um mesmo local duas Bahia: uma "normal", que é vista com ar nostálgico, e outra "absurda" e amaldiçoada.


Se de um lado existe a obra satírica de Gregório de Matos, onde ele expõe e critica sem nenhum pudor a sociedade da época, de outro lado há também a poesia lírica produzida por ele. Seus poemas líricos são comumente divididos em: lírico-amorosos e burlesco/eróticos. Há ainda uma vasta produção de poemas com temática religiosa. Porém, há de se ressaltar que a ironia e crítica social existente nos poemas satíricos não são deixados de lado em sua produção lírica e religiosa.


Na poesia amorosa e erótica de Gregório de Matos, o tema básico continua sendo o choque de opostos: "espírito" e "matéria", "ascetismo" e "sensualismo". Essa visão dualista também aparece na figura da mulher desejada, sendo que esta representa uma espécie de "anjo-demônio". É interessante notar que na obra de Gregório de Matos o "outro lado" em um par de opostos sempre irá conter um pedaço do seu par antagônico. Ou seja, se tomarmos por exemplo a figura da mulher, quando ela aparece como um ser angelical, ela também terá uma parte demoníaca, e vice-versa.

Dessa forma, a poesia lírico-amorosa de Gregório de Matos é construída em torno de contradições e pares de opostos, utilizando figuras de linguagens como o oximoro, que reforça essas contradições. Porém, deve-se ter em mente que estas contradições não se anulam e a mensagem final que o poeta passa é de que "diferença é identidade". Já a poesia erótica de Gregório de Matos, na qual o poeta utiliza uma linguagem mais direta e explícita do que na lírico-amorosa, o amor carnal aparece como forma de libertação do corpo e, por consequência, do indivíduo também.

Por fim, tem-se a poesia religiosa de Gregório de Matos, que também é trabalhada constantemente através de pares de opostos. O ambiente, fortemente cristão do período barroco, faz-se presente aqui, onde os pares antagônicos da vez é a "culpa" versus "perdão". Gregório de Matos faz uso da poesia para se libertar e ela é a única forma possível de salvação para o poeta. Esta salvação não se dá somente entre o poeta e Deus, mas também perante a sociedade e si mesmo.


POEMAS REPRESENTATIVOS

"A Jesus Cristo Nosso Senhor"

Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,
Da vossa piedade me despido,
Porque quanto mais tenho delinquido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto um pecado,
A abrandar-nos sobeja um só gemido,
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida, e já cobrada
Glória tal, e prazer tão repentino
vos deu, como afirmais na Sacra História:

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada
Cobrai-a, e não queirais, Pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.

Este soneto é um dos maiores representantes da poesia sacro-religiosa de Gregório de Matos. Segundo a crítica literária, este poema foi inspirado em outros poemas de autoria desconhecida já existentes em língua espanhola. Outra inspiração do poeta foi é a passagem do evangelho de São Lucas, onde Jesus Cristo conta a parábola da ovelha perdida e conclui dizendo que "há grande alegria nos céus quando um pecador se arrepende de seus pecados e dá meia volta".

Nesse soneto, a temática da "culpa" versus "perdão" aparece posta em xeque, pois o poeta utiliza da linguagem para conseguir seu perdão e salvação. Enfrentando o poder divino, o eu-lírico pede para que Deus cobre os pecados cometidos por ele, pois quanto mais pecados ele comete, mais Deus se esforça para perdoa-los. Assim, da mesma forma como o poder divino precisa perdoar, o pecador precisa pecar para poder ser perdoado.

Estruturalmente, o soneto é composto por 14 versos decassílabos com rimas no esquema ABBA, ABBA, ABC, ABC.


"Aos Afetos e lágrimas derramadas
na ausência da dama a quem queria bem"

Ardor em firme coração nascido;
Pranto por belos olhos derramado;
Incêndio em mares de água disfarçado;
Rio de neve em fogo convertido:

Tu, que um peito abrasas escondido;
Tu, que em um rosto corres desatado;
Quando fogo, em cristais aprisionado;
Quando cristal, em chamas derretido.

Se és fogo, como passas brandamente,
Se és neve, como queimas com porfia?
Mas ai, que andou Amor em ti prudente!

Pois para temperar a tirania,
Como quis que aqui fosse a neve ardente,
Permitiu parecesse a chama fria.

Este soneto faz parte da produção lírico-amorosa de Gregório de Matos. Estruturalmente é composto por 14 versos decassílabos com rimas ABBA, ABBA, CDC, DCD.

O poema é composto através de antíteses, figura de linguagem que aproxima pares de opostos, o que é uma marca da poesia lírico-amorosa de Gregório de Matos. A primeira parte do soneto, que é formada pelos dois quartetos, é marcada por um tom de lamentação onde o eu-lírico vive um embate entre "paixão" (simbolizado através de imagens como "fogo" e incêndio") e "dor" (simbolizado por "neve" e "água", remetendo à "lagrimas"). Na segunda parte, o eu-lírico se indaga sobre a natureza contraditória do amor, fazendo lembrar a lírica do poeta português Camões ("Amor é fogo que arde sem se ver/É ferida que dói e não se sente"). A ideia de que "diferença é identidade" presente na poesia amorosa de Gregório de Matos se faz presente de modo exemplar nesse soneto.

"Descreve o que era naquele tempo a cidade da Bahia"

A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um bem freqüente olheiro,
Que a vida do vizinho e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
Para o levar à praça e ao terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados,
Trazidos sob os pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia,

Estupendas usuras nos mercados,
Todos os que não furtam muito pobres:
E eis aqui a cidade da Bahia.

Este soneto satírico é composto por versos decassílabos em esquema de rimas ABBA, ABBA, CDE, CDE.

A Bahia de outrora aparece com um tom nostálgico, e o poeta critica a degradação moral e econômico no qual a cidade se encontra no momento. Os ladrões e oportunistas (comerciantes, etc.) são os detentores do poder político e econômico, enquanto os trabalhadores honestos encontram-se na pobreza. Esse tom nostálgico e de lamentação aparece também no famoso soneto "À cidade da Bahia", em que vemos a decadência dos engenhos de açúcar e a ascensão de uma burguesia oportunista segundo o poeta.

À cidade da Bahia
Triste Bahia! oh! quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!

Pobre te vejo a ti, tu a mim empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mim abundante.

A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando e tem trocado
Tanto negócio e tanto negociante.

Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.

Oh! Se quisera Deus que, de repente
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!
Fonte: Spina, S. 1995. A poesia de Gregório de Matos. SP, Edusp.

COMENTÁRIO:

O professor Gilberto Alves da Rocha (Giba), do Curso Apogeu de Curitiba (PR), comenta que existem dois pontos principais na obra de Gregório de Matos que devem ser observados pelo estudante. O primeiro é o intenso conflito de ordem espiritual, típico do período barroco: de um lado, o Teocentrismo (teoria segundo a qual Deus é o centro do universo) e, de outro, o Antropocentrismo (segundo esta teoria, o homem é o centro do universo e este deve ser analisado de acordo com sua relação com o homem). Em sua poesia religiosa, Gregório consegue filtrar com maestria essa dualidade vivida pelo homem da época. Já o segundo ponto a ser observado, comenta o prof. Giba, é a linguagem do autor: assim como Gregório procura utilizar um vocabulário mais formal nos poemas líricos e religiosos, ele utiliza gírias e até termos de baixo calão nos poemas satíricos.

Pensando-se na prova do vestibular, o prof. Giba afirma que, por se tratar de obra poética, os aspectos formais (rima, métrica, vocabulário) são bastante explorados pelas bancas examinadoras e o aluno deve estar atento a questões desse tipo. Quanto aos temas tratados por Gregório de Matos, a temática do "carpe diem" (aproveitar o dia) está muito presente em sua poesia lírica, e é geralmente associada à ideia da efemeridade, um dos temas mais caros aos artistas barrocos. Por fim, o prof. Giba lembra a importância de Gregório de Matos dentro da literatura brasileira, pois ele foi o primeiro artista brasileiro a filtrar os desmandos políticos e o cotidiano da Bahia, Capital da Província na época. 


SOBRE GREGÓRIO DE MATOS

Gregório de Matos Guerra nasceu no dia 7 de abril de 1633, na cidade de Salvador (BA). Filho de um fidalgo português que se tornou senhor de engenho no Recôncavo baiano com uma brasileira, Gregório de Matos recebeu educação formal e se formou em Direito na Universidade de Coimbra, Portugal. Embora não se saiba muito sobre sua vida, acredita-se que ele tenha chegado a trabalhar como juiz em Lisboa e tenha frequentado a Corte Portuguesa, conhecendo inclusive o rei D. Pedro II. Nesse período ele também teria se casado, mas ficou viúvo algum tempo depois e teria entrado em decadência junto ao reinado de D. Pedro II.

De volta a Salvador, Gregório de Matos trabalhou como Arcebispo e como tesoureiro-mór, mas foi desligado de suas funções por volta de 1683. A certa altura, casou-se com Maria dos Povos e vendeu as terras que havia recebido como herança. Conforme conta-se, Gregório de Matos guardou todo o dinheiro conseguido com a venda em um saco dentro de casa e gastava tudo sem economizar. Enquanto isso, trabalhava também como advogado e ficou famoso por escrever argumentações judiciais na forma de versos.

Após um tempo, Gregório de Matos largou tudo e tornou-se cantador itinerante pelo Recôncavo baiano, frequentando festas populares e convivendo com o povo. Nesse período ele passa a escrever cada vez mais poesias satíricas e eróticas, o que lhe rendeu o apelido "Boca do Inferno". Além disso, ele escreveu diversas poesias de crítica política à corrupção e aos fidalgos locais, o que fez com que ele fosse deportado para Angola.

Gregório de Matos só pode voltar ao Brasil em 1695, mas com a condição de que ele abandonasse os versos satíricos e fosse morar em Pernambuco. Nessa altura da vida, ele volta-se para a religião e escreve diversos poemas pedindo perdão a Deus pelos pecados que cometeu. Falece em data incerta no ano de 1696 em Recife (PE).


GREGÓRIO DE MATOS - O BOCA DO INFERNO



O lado BOCA DO INFERNO de Gregório de Matos

Por Assis Ribeiro
Do Blog A Procura.

Numa tarde quente da Bahia, uma Freira resolveu satirizar, publicamente, Gregório de Matos (nasceu em 1636), que tinha uma fisionomia delgada e um nariz saliente, chamando-lhe de “Pica-Flor” (passarinho, o mesmo que beija-flor). Gregório não deixou por menos e lhe respondeu em versos:


“Se Pica-Flor me chamais,
Pica-Flor aceito ser,
Mas resta saber agora,
Se no nome que ma dais,
Meteis a flor, que guardais![...]
Se me dais este favor,
Sendo eu só o Pica,
E o mais vosso, claro fica,
que fico então Pica-Flor”

  • Provavelmente aí está a origem da palavra "pica" (Pênis).



Trecho de Senhora Dona Bahia

"Senhora Dona Bahia,
nobre e opulenta cidade,
madrasta dos naturais,
e dos estrangeiros madre.

Dizei-me por vida vossa
em que fundais o ditame
de exaltar os que aqui vêm,
e abater os que aqui nascem?
Se o fazeis pelo interesse
de que os estranhos vos gabem,
isso os paisanos fariam
com conhecidas vantagens.”

DEFINE A SUA CIDADE

”De dois ff se compõe
esta cidade a meu ver:
um furtar, outro foder.

Recopilou-se o direito,
e quem o recopilou
com dous ff o explicou
por estar feito, e bem feito:
por bem digesto, e colheito
só com dous ff o expõe,
e assim quem os olhos põe
no trato, que aqui se encerra,
há de dizer que esta terra
de dous ff se compõe.

Se de dous ff composta
está a nossa Bahia,
errada a ortografia,
a grande dano está posta:
eu quero fazer aposta
e quero um tostão perder,
que isso a há de perverter,
se o furtar e o foder bem
não são os ff que tem
esta cidade ao meu ver.

Provo a conjetura já,
prontamente como um brinco:
Bahia tem letras cinco
que são B-A-H-I-A:
logo ninguém me dirá
que dous ff chega a ter,
pois nenhum contém sequer,
salvo se em boa verdade
são os ff da cidade
um furtar, outro foder.”

A DESPEDIDA DO MAU GOVERNO
QUE FEZ O GOVERNADOR DA BAHIA.

Senhor Antão de Sousa de Menezes,
Quem sobe ao alto lugar, que não merece,
Homem sobe, asno vai, burro parece,
Que o subir é desgraça muitas vezes.

A fortunilha, autora de entremezes
Transpõe em burro o herói que indigno cresce:
Desanda a roda, e logo homem parece,
Que é discreta a fortuna em seus reveses.

Homem sei eu que foi vossenhoria,
Quando o pisava da fortuna a roda,
Burro foi ao subir tão alto clima.

Pois, alto! Vá descendo onde jazia,
Verá quanto melhor se lhe acomoda
Ser homem embaixo do que burro em cima.

DESCREVE O QUE ERA NAQUELE TEMPO A CIDADE DA BAHIA

A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um bem frequente olheiro,
Que a vida do vizinho e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
Para o levar à praça e ao terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados,
Trazidos sob os pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia,

Estupendas usuras nos mercados,
Todos os que não furtam muito pobres:
E eis aqui a cidade da Bahia.

EPIGRAMA

Que falta nesta cidade? ... Verdade.
Que mais por sua desonra? ... Honra.
Falta mais que se lhe ponha? ... Vergonha.
O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade, onde falta
Verdade, honra, vergonha.

Quem a pôs neste socrócio? ... Negócio.
Quem causa tal perdição? ... Ambição.
E o maior desta loucura? ... Usura.
Notável desaventura
De um povo néscio e sandeu,
Que não sabe que o perdeu
Negócio, ambição, usura.

Quais são meus doces objetos? ... Pretos.
Tem outros bens mais maciços? ... Mestiços.
Quais destes lhe são mais gratos? ... Mulatos.
Dou ao Demo os insensatos,
Dou ao demo o povo asnal,
Que estima por cabedal
Pretos, mestiços, mulatos.

Quem faz os círios mesquinhos? ... Meirinhos.
Quem faz as farinhas tardas? ... Guardas.
Quem as tem nos aposentos? ... Sargentos.
Os círios lá vêm aos centos,
E a terra fica esfaimada,
porque os vão atravessando
Meirinhos, guardas, sargentos.

E que justiça a resguarda? ... Bastarda.
É grátis distribuída? ... Vendida.
Que tem, que a todos assusta? ... Injusta.
Valha-nos Deus, o que custa
O que El-Rei nos dá de graça,
Que anda a justiça na praça
Bastarda, vendida, injusta.

Que vai pela clerezia? ... Simonia.
E pelos membros da Igreja? ... Inveja.
Cuidei, que mais se lhe punha? ... Unha.
Sazonada caramunha!
Enfim, que na Santa Sé
O que se pratica, é
Simonia, inveja, unha.

E nos frades há manqueiras? ... Freiras.
Em que ocupam os serões? ... Sermões.
Não se ocupam em disputas? ... Putas.
Com palavras dissolutas
Me concluo na verdade,
Que as lidas todas de um frade
São freiras, sermões, e putas.

O açúcar já se acabou? ... Baixou.
E o dinheiro se extinguiu? ... Subiu.
Logo já convalesceu? ... Morreu.
À Bahia aconteceu
O que a um doente acontece:
Cai na cama, e o mal lhe cresce,
Baixou, subiu, e morreu.

A Câmara não acode? ... Não pode.
Pois não tem todo o poder? ... Não quer.
É que o governo a convence? ... Não vence.
Quem haverá que tal pense,
Que uma Câmara tão nobre
Por ver-se mísera, e pobre
Não pode, não quer, não vence!
VOCABULÁRIO:
Socrócio - aperto, ambição; furto.
Círios - sacos de farinha (a grafia correta é sírios)
Simonia - venda de coisas sagradas.
Unha - roubalheira; avareza; tirania, opressão.

Sazonada caramunha - Experimentada lamentação! (Soares Amora). A expressão tem sentido ambíguo. Sazonada é derivado de sazonar e equivale a amadurecida. Caramunha pode ser "a cara das crianças quando choram" ou a "lástima pelo próprio mal que se causou".

Manqueiras - Vícios, defeitos; doença infecciosa no homem e em certos animais.

Barroco no Brasil




Conheça os principais aspectos do movimento

MARCO INICIAL:
Publicação do poema épico "Prosopopeia", de Bento Teixeira, em 1601.

MARCO FINAL:
Publicação das "Obras Poéticas", de Cláudio Manuel da Costa e fundação da Arcádia Ultramarina, movimento poético-literário que dá início ao Arcadismo, em 1768.

CONTEXTO HISTÓRICO
   O movimento brasileiro, influenciado pelo barroco português, apresentou suas próprias características, pois diferente da realidade portuguesa de luxo e pompa da aristocracia, o Brasil vivia uma realidade de violência, em que se perseguiam os índios e escravizavam os negros.
       No Brasil, o barroco ganhou impulso entre 1720 e 1750, momento em que várias academias literárias foram fundadas por todo o país.
      O centro de riqueza da época era Minas Gerais, e foi lá que a produção artística, ligada à igreja, concentrou-se. O arquiteto, entalhador e escultor Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, foi o grande representante dessa tendência nas artes plásticas, o estilo rococó predominava em suas esculturas de materiais típicos nacionais, como a madeira e pedra-sabão.

CONTEXTO CULTURAL

O Barroco é fundamentalmente uma expressão do conflito entre o humanismo renascentista e a tentativa de restauração de uma religiosidade "medieval", entre a razão e a fé, entre o material e o espiritual. 

CARACTERÍSTICAS DO ESTILO
1)    A evasão ao conflito existencial enunciado no item anterior foi buscada através de uma valorização exagerada da forma, que resultou numa literatura marcada pelo rebuscamento da linguagem, sobrecarregando o texto com figuras de estilo, como a metáfora, a alegoria, a hipérbole e a antítese.
2)    A arte é identificada com a engenhosidade do artista que pode se dar no nível da forma (cultismo) ou do conteúdo (conceptismo).
 • Cultismo – caracterizado pela linguagem culta, rebuscada, ligado à forma, jogo de palavras, com influência do poeta espanhol Luís de Gôngora, e por isso, chamado também de Gongorismo.
 • Conceptismo – caracterizado pelo jogo de ideias, ligado ao conteúdo, raciocínio lógico, com influência do espanhol Quevedo, e por isso, chamado também de Quevedismo.

PRINCIPAIS AUTORES

No Barroco brasileiro destacam-se os autores:
· Na poesia, Gregório de Matos Guerra (1623-1696); 

· Na prosa, com suas obras de profecias, cartas e sermões, o Padre Antonio Vieira (1608-1697)


GREGÓRIO DE MATOS:
 
É o maior poeta barroco brasileiro, sua obra permaneceu inédita por muito tempo, suas obras são ricas em sátiras, além de retratar a Bahia com bastante irreverência, o autor não foi indiferente à paixão humana e religiosa, à natureza e reflexão.
As obras desse escritor são divididas de acordo com a temática: poesia lírica religiosa, amorosa e filosófica.
- A lírica religiosa: explora temas como o amor a Deus, o arrependimento, o pecado, apresenta referências bíblicas através de uma linguagem culta, cheia de figuras de linguagem.
Veja que no exemplo a seguir o poeta baseia-se numa passagem do evangelho de S. Lucas, quando Jesus Cristo narra a parábola da ovelha perdida e conclui dizendo que “há grande alegria nos céus quando um pecador se arrepende”: 

A JESUS CRISTO NOSSO SENHOR

Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,
da vossa alta clemência me despido;
porque, quanto mais tenho delinquido,
vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vós irar tanto pecado,
a abrandar-vos sobeja um só gemido:
que a mesma culpa, que vos há ofendido
vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida, e já cobrada
glória tal e prazer tão repentino
vos deu, como afirmais na sacra história,

eu sou Senhor, a ovelha desgarrada,
cobrai-a; e não queirais, pastor divino,
perder na vossa ovelha, a vossa glória.
                                        (Gregório de Matos)

- A lírica amorosa: é marcada pela dualidade amorosa entre carne/espírito, ocasionando um sentimento de culpa no plano espiritual. 


Retrato / Dona Ângela 

Anjo no nome, Angélica na cara
Isso é ser flor, e Anjo juntamente
Ser Angélica flor, e Anjo florente
Em quem, se não em vós se uniformara?

Quem veria uma flor, que a não cortara
De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tão luzente
Que por seu Deus, o não idolatrara?

Se como Anjo sois dos meus altares
Fôreis o meu custódio, e minha guarda
Livrara eu de diabólicos azares.

Mas vejo, que tão bela, e tão galharda
Posto que os Anjos nunca dão pesares
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.

- A lírica filosófica:
os textos fazem referência à desordem do mundo e às desilusões do homem perante a realidade.


 Inconstância dos bens do mundo

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.

Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.

Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.
 


Em virtude de suas sátiras, Gregório de Matos ficou conhecido como “O boca do Inferno”, pois o poeta não economizou palavrões nem críticas em sua linguagem, que além disso era enriquecida com termos indígenas e africanos.
Eis um exemplo dos muitos “retratos” que Gregório de Matos compôs:

Soneto

A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana, e vinha,
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um frequente olheiro,
Que a vida do vizinho, e da vizinha
Pesquisa. Escuta, espreita, e esquadrinha,
Para levar à Praça, e ao Terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados,
Trazidos pelos pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda picardia.

Estupendas usuras nos mercados,
Todos, os que não furtam, muito pobres,
E eis aqui a cidade da Bahia. 

Nesse texto o poeta expõe os personagens que circulavam pela cidade de Salvador - conhecida como Bahia- desde as mais altas autoridades até os mais pobres escravos.